Texto:

Gabriel Cabral

Historiador pela Universidade Federal do Ceará (UFC), atuando como professor de História. Tem experiência com Patrimônio Histórico e Cultural (SECULTFOR) e estuda trauma em literatura de testemunho na Ditadura Civil-Militar, racismo ambiental e necropolítica. Gosta de música, café e outras artes, tem interesse em temas relacionados à política e cultura e uma paixão inexplicável por aviões.

A Independência conquistada

A Bahia e a luta contra o colonialismo português

Publicado em 02 de julho de 2025 às 19h – *Texto publicado originalmente no Negrê em 5 de julho de 2023

O “Primeiro Passo para a Independência da Bahia”, de Antônio Parreiras (1860–1937)

A memória sobre a Independência do Brasil normalmente trata de nos contar uma história que acontece dentro da burocracia estatal, fruto de acordos comerciais, sem abarcar a dimensão conflituosa, conturbada e, porventura, violenta que conseguimos observar nas independências da América Espanhola. A despeito disso, Bahia foi palco de uma independência conquistada pela luta política. Em 2 de julho de 1823, após a tomada de Salvador (BA) pelos colonos, firmou-se a Independência da Bahia, fruto da resistência de parte da população baiana à lealdade à Metrópole promovida pelos portugueses e pelas autoridades locais.

O contexto nacional de 1808 à Independência: identidade, rivalidade e controle

cenário sobre o qual se desenrola a Independência da Bahia é exatamente aquele que paira sobre o Brasil do início dos anos 1820: o da Independência do Brasil em relação a Portugal. Uma série de mudanças ocorridas na antiga colônia portuguesa – e que passara a ser um Reino Unido a Portugal – desde a chegada da Família Real Portuguesa, em 1808, havia agitado o cenário político do lado de cá do Atlântico.

Esse processo de interiorização da Metrópole, com a instalação da burocracia portuguesa, criação das universidades, abertura dos portos e elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal produziu uma proximidade entre a ex-colônia e Metrópole da qual seria muito difícil se desvencilhar. Essa aproximação, claro, embora tenha beneficiado grandes comerciantes e algumas parcelas da população de centros urbanos como o Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP), seguiu privilegiando os portugueses que vieram com a Coroa.

Desse modo, apesar da existência de regiões leais à autoridade portuguesa, a insatisfação com Portugal existia em diversas partes do território nacional. Somada a isso, estava a ausência de uma consciência nacional, ou seja, uma identificação evidente do que era o Brasil e do que significava ser brasileiro. Essa combinação de fatores guarda uma íntima relação com o surgimento de diversos movimentos separatistas entre os séculos XVIII e XIX.

Monumento à Independência da Bahia, situado no Campo grande, bairro situado em Salvador (BA). Foto: Arquivo Público Nacional.

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As transformações promovidas por D. João VI (1767-1826) a partir de 1815 produziram consequências também do outro lado do Atlântico. Inconformada com o ganho de autonomia do Brasil e desejosa de conduzir o país e a sua população às condições de colônia e colonizada, a burguesia portuguesa se organizou para barrar os avanços que por aqui se passavam, tentando restabelecer o Pacto Colonial.

Dessa organização burguesa, eclodiu a Revolução Liberal do Porto, em 1820, que buscava limitar os poderes do monarca português, mas, ao mesmo tempo, ampliar o controle de Portugal sobre o Brasil, com vistas a anular a autonomia conquistada nos anos anteriores. Foi nesse cenário que o separatismo ganhou força entre as elites brasileiras, pois não queriam regressar à condição de colônia. Esses conflitos obrigaram D. João VI a retornar para Lisboa em 1821, deixando Pedro de Alcântara (1875-1940), o D. Pedro I, na regência do Brasil.

Foi durante o governo de D. Pedro I que Brasil e Portugal se tornaram cada vez mais distantes. Do lado de lá, as Cortes portuguesas tentavam cada vez mais restabelecer o controle sobre o Brasil que possuíam quando este era colônia. Do lado de cá, pressionado pelas elites brasileiras, cujas insatisfações com relação ao domínio luso só cresciam, D. Pedro I se recusou a voltar para Portugal, determinou que as ordens das cortes precisariam de sua prévia autorização para valerem no Brasil e, finalmente, no dia 7 de setembro de 1822, declarou a Independência do Brasil.

Apesar da declaração da Independência soar como uma resolução desses tensionamentos, as disputas e desentendimentos com Portugal não só permaneceram como, em partes do país, se acentuaram. Dada a dificuldade de se desenvolver uma consciência nacional em um país recém-nascido, algumas províncias do Brasil se mantiveram leais aos lusitanos, desencadeando as Guerras de Independência, que foram conflitos internos entre tropas pró-Independência e tropas pró-Portugal.\

O contexto na Bahia: brasileiros x portugueses

Província que abrigou a primeira capital do país, a Bahia sempre foi tradicionalmente palco de agitações e disputas políticas. Ainda no final do século XVIII, a Conjuração Baiana foi um movimento separatista de cunho popular violentamente reprimido pelas tropas portuguesas. Num âmbito local, é possível dizer que esta foi a gênese da insatisfação baiana com a Metrópole e, nesse sentido, se estendia desde as elites até as camadas mais populares da Província.

Por causa disso, tornaram-se comuns os conflitos entre os colonos e as autoridades designadas por Portugal na Bahia. Os tensionamentos que já existiam desde a Revolução Liberal do Porto, em 1820, escalaram para conflitos mais intensos a partir de 1822. Isso porque, como o controle do Norte e do Nordeste brasileiros era uma prioridade para Portugal, milhares de soldados foram enviados para Salvador naquele ano. O objetivo era evitar a Independência ou ao menos garantir, em caso de concretizada a Independência, que as províncias dessas regiões se mantivessem sob o controle de Portugal.

Uma mudança no comando das tropas portuguesas na região agravou a relação entre brasileiros e portugueses. Comandadas por Madeira de Melo (1775-1833), os oficiais portugueses passaram a agir com mais hostilidade em relação aos brasileiros, levando a uma série de violentos conflitos entre os dois grupos. Nesse contexto, mortes e massacres se desenrolaram. A Praça da Piedade foi palco de um desses confrontos sangrentos. A violência era tanta, que se considera que a Guerra de Independência da Bahia teve início em fevereiro de 1822, ainda antes da declaração de Independência do Brasil.

O desenvolvimento do conflito e a derrota das forças coloniais

No esteio dessas disputas, vários governantes de cidades baianas passaram a ser questionados pelos deputados que atuavam nas Cortes. A pergunta era uma só: eram eles leais a Portugal ou leais a D. Pedro I? Madeira de Melo, comandante das tropas realistas, inconformou-se ao perceber que os governantes de três vilas se declararam leais a D. Pedro I.

Por ocasião disto, Madeira determinou, em junho de 1822, o envio de uma embarcação militar para atacar Cachoeira (BA) – que era uma das três vilas, esperando que o movimento fosse intimidar a população, fazendo-a transferir sua lealdade à Coroa. Pelo contrário, o que se deu foi uma reação popular: a embarcação foi cercada, atacada e capturada pelos brasileiros em 28 de junho de 1822.

Em Salvador, as tensões entre portugueses e brasileiros não paravam de escalar. Parte da população fugia em direção às cidades do Recôncavo Baiano e, com isso, essas cidades passavam a ficar cada vez mais agitadas, tendo no alinhamento e na lealdade a D. Pedro I traços cada vez mais marcantes da orientação política de seus habitantes. Nesse contexto, chegou a ser formado um governo paralelo para conduzir a Bahia.

Ao buscar conter a revolta e reafirmar seu controle, Portugal enviou mais soldados à BahiaA situação, contudo, era tão grave que se mostrava incontornável. Quando da declaração da Independência, em 7 de setembro de 1822, a elite baiana declarou lealdade a Portugal. Entre a população, porém, a rejeição à antiga Metrópole era imensa, o que fez o conflito ter escalado mais uma vez. Diante disto, o próprio D. Pedro formou um exército para unir forças aos baianos e defender a Bahia do domínio lusitano.

As tropas enviadas por D. Pedro, comandadas por Pedro Labatut (1776-1849), desembarcaram em Maceió (AL) e foram caminhando até Salvador. No caminho, foram conquistando apoio popular ao exército que lutava pela Independência do Brasil. Apesar dos esforços de Madeira de Melo, as tropas brasileiras não puderam ser contidas e, em 2 de julho de 1823, cercaram a cidade de Salvador, marcando a derrota de Portugal.

Tempos atuais

Hoje, a data celebra uma das Independências do Brasil, esta que tomou palco no território baiano, por meio das mãos de brasileiros e brasileiras que, embora representassem o interesse imediato das elites que não mais queriam ser dominadas e subjugadas numa relação colonial com a Metrópole, pertenciam aos mais diversos grupos sociais.

A reintegração da Bahia ao território nacional foi fruto do sangue e do suor de homens e mulheres, pretos e pretas, indígenas, clérigos e muitos outros personagens que dedicaram suas vidas ao total desmantelamento das relações coloniais. Se hoje o grito de D. Pedro às margens do Ipiranga se faz mais ouvido do que os gritos de batalha destas personagens, é porque a memória que nos restou do nosso passado privilegia o pacifismo e apreço à burocracia em detrimento dos nossos corpos e corações que inspiram revolução. Joana Angélica, Maria Quitéria de Jesus, Maria Felipa, João das Botas, Corneteiro Lopes, Tambor Soledade e Cacique Bartolomeu Jacaré presentes!

*O Negrê® é o maior portal de mídia negra referência no Nordeste, lançado no dia 18 de julho de 2020, com foco na luta pela redução do racismo e da xenofobia contra pessoas negras do Nordeste do Brasil. Além disso, o propósito do veículo é construir diariamente uma comunicação de impacto social a partir da perspectiva do jornalismo de causas. O conteúdo veiculado no portal e nas redes sociais do Negrê®; com presença no Facebook, Instagram, Facebook, LinkedIn, Tik Tok e X (antigo Twitter), dão visibilidade às pautas raciais focadas no Nordeste, dando notoriedade à movimentação da comunidade negra nordestina, tirando da invisibilidade os nomes de muitas potências, rostos e histórias que passaram por apagamento sociocultural.

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