Texto:

Olofu Mbakadi

Artigo: Angola acordou, mas foi retaliada

Greve de taxistas escancara a crise humanitária em Angola, onde a população protesta contra a fome, o desemprego e a violência do Estado

Publicado em 04/08/2025 às 19:40

Foto: Bandeira da Angola/Reprodução

Nos últimos dias, Angola tem sido palco de manifestações intensas, greves, confrontos e mortes. Oficialmente, tudo começou com o aumento de 33% no preço do gasóleo, parte de um plano do governo para retirar os subsídios aos combustíveis. Mas, na realidade, o povo não está a gritar apenas por combustível — está a gritar por dignidade.

O que vemos nas ruas é o reflexo de uma dor acumulada. A juventude desempregada, os trabalhadores informais, as mães que não conseguem alimentar os filhos — todos estão sendo esmagados por um sistema que insiste em sobreviver à custa do sofrimento coletivo.

O recente aumento no preço do combustível fez disparar o custo dos transportes, das mercadorias e dos alimentos. O que para os governantes pode parecer um ajuste técnico, para a maioria dos angolanos é o colapso da sobrevivência. As tarifas de táxi subiram até 50%. Muitos já não conseguem ir ao trabalho ou vender seus produtos. A fome, que já era cotidiana, agora se instala com mais força.

Em Angola, revirar o lixo não é cena de ocasião. Em praticamente todos os pontos onde há contentores de lixo, há também pessoas — famílias inteiras — que vivem por perto para disputar, dia após dia, restos de comida e objetos reutilizáveis. Essa prática tornou-se uma estratégia de sobrevivência. Não se trata de uma exceção captada em imagens ocasionais: é uma vivência constante, cruel e normalizada. A fome mora ao lado do contentor.

A fome que leva o povo ao lixo não é apenas ausência de pão. É ausência de políticas eficazes, de redistribuição justa, de compromisso ético com a dignidade humana. É o grito silencioso de um povo que resiste entre o esquecimento e a sobrevivência.

Angola conquistou a independência há quase meio século. Mas o colonialismo não partiu — apenas mudou de rosto. As estruturas de dominação, exclusão, repressão e privilégio continuam a funcionar, agora sob comando nacional. A lógica da exploração permaneceu: ontem pelo colono, hoje pelas elites internas.

O Estado que deveria proteger o povo, escolheu ignorá-lo. A juventude, que deveria ser prioridade, foi relegada ao abandono. E, diante do desespero, a resposta institucional tem sido bala, prisão e silêncio.

Entre os dias 28 e 30 de julho de 2025, a greve nacional dos taxistas, convocada pela ANATA, desencadeou manifestações em várias províncias. Foram contabilizadas oficialmente 29 mortes, 197 feridos e 1.214 detenções. Mas o número real de mortes e feridos é maior. Há denúncias de desaparecimentos, prisões arbitrárias e uso de munição real contra civis.

Além da repressão nas ruas, houve também uma ofensiva contra lideranças organizadas. Diversas pessoas foram sequestradas e detidas pelo sistema, incluindo o vice-presidente da ANATA e outros taxistas, que permanecem sob custódia, acusados de terrorismo. Uma tentativa clara de criminalizar o direito à greve e a voz dos trabalhadores — como se exigir condições dignas de vida fosse uma ameaça à segurança do Estado.

Os protestos começaram como uma forma legítima de reivindicação. Porém, o desespero coletivo e a repressão levaram a confrontos, saques e destruição. Ainda assim, reduzir tudo a “vandalismo” é esconder as causas: a fome, o desemprego, a indignação acumulada.

Durante os três dias de alvoroço, enquanto o povo tomava as ruas e os corpos tombavam, o presidente permaneceu em silêncio. Nenhuma palavra, nenhum gesto, nenhum luto. Só depois, quando o barulho das balas cedeu espaço ao lamento das famílias, ele apareceu para se pronunciar.

Mas não para consolar, não para reconhecer as falhas de governação. Falou para acusar. Chamou os manifestantes de vândalos, sem mencionar os mortos, sem uma palavra de empatia, sem qualquer assunção de responsabilidade.

Antes mesmo do presidente, foi o comandante-geral da Polícia Nacional quem falou. E falou com brutal frieza. Entre suas declarações, comentou a morte da senhora Ana Mabuila, assassinada no bairro da Caope, no município de Viana.

Ana foi baleada nas costas enquanto corria de mãos dadas com o filho, tentando protegê-lo dos disparos da polícia. Mesmo assim, o comandante afirmou que ela “estava envolvida no vandalismo” e que “a polícia não teve alternativa”. Para agravar ainda mais, referiu-se a ela como “estrangeira”, como se a sua nacionalidade justificasse a violência sofrida. Como se ser estrangeira em Angola fosse um crime. Como se uma estrangeira não tivesse direito à dignidade, nem à vida.

Esse tipo de discurso institucional legitima o abuso, desumaniza o povo e banaliza o assassinato.

Ainda que o governo tente controlar a narrativa, a realidade fala mais alto. O povo não é inimigo — é vítima de décadas de má gestão, corrupção institucionalizada e ausência de justiça social. O clamor que se ouve é legítimo. A resposta que se espera não é mais repressão, mas escuta, ação e respeito.

Enquanto isso, a juventude segue sendo criminalizada por existir. E o prato vazio segue sendo o maior opositor de qualquer governo.

Angola vive uma crise de humanidade. A luta que se vê nas ruas não é por um litro de gasóleo — é por uma vida que valha a pena ser vivida. O povo despertou. E um povo desperto não volta a dormir facilmente.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não necessariamente refletem a posição editorial do Portal Black Mídia.

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