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Sócia-fundadora, diretora executiva, de jornalismo e projetos do Portal, I'sis é jornalista e bacharel interdisciplinar em artes formada pela Universidade Federal da Bahia, além de técnica em comunicação visual e pós graduanda em Direitos, Desigualdades e Governança Climática. É criadora e podcaster do Se Organiza, Bonita!
Eliete Paraguassu: a marisqueira quilombola que desafia o racismo ambiental na Bahia
Mulher negra da Ilha de Maré, Eliete Paraguassu se tornou referência nacional e internacional na luta pelos direitos dos povos tradicionais, enfrentando a injustiça ambiental e a exclusão política com coragem, memória e coletividade.
Autoria: Lívia Oliveira e I’sis Almeida
Publicado em 31/07/2025 às 20:02

Foto/Reprodução Redes Sociais
O cenário político de Salvador, após as eleições de 2024, passou a contar com novos nomes que trazem vivências forjadas em territórios de luta. Uma dessas vozes é a de Eliete Paraguassu (PSOL), liderança quilombola, marisqueira, mulher preta e periférica, eleita para a Câmara Municipal com mais de 8 mil votos.
Aos 40 anos, Eliete se torna a primeira vereadora quilombola eleita, vinda diretamente da Ilha de Maré, território quilombola e pesqueiro ameaçado há décadas pelo avanço de grandes empreendimentos, poluição e negligência do poder público. Ela chega ao Legislativo com um mandato que pretende ecoar as vozes das águas (chamado nas redes sociais como #MandatoPopularDasÁguas), dos mangues e das mulheres que sustentam suas comunidades com o trabalho invisibilizado da mariscagem.
Foi ali, no coração da Baía de Todos os Santos, onde ela aprendeu desde cedo que viver era também resistir. Eliete cresceu cercada por uma política que não vem dos gabinetes, mas uma política que escuta o mais velho e acolhe o mais novo e, acima de tudo, respeita e protege a natureza.
Eliete construiu sua militância a partir dessa vivência profunda com o território e com os saberes tradicionais, e sua voz é firme em defesa do povo negro, do território e do Bem Viver. É integrante da Articulação Nacional de Pescadores e Pescadoras, da Coletiva Mahin Organização de Mulheres Negras, da Coalizão Negra por Direitos e do Fórum Marielles. Sua luta é, ao mesmo tempo, ambiental, racial, de gênero e de classe.
“Sou forjada na luta contra o racismo ambiental e a injustiça social que acomete um adoecimento profundo na Baía de Todos os Santos, uma APA (Área de Proteção Ambiental) que era para ser cuidada, mas em nome do desenvolvimento tem trazido um processo de adoecimento profundo para as águas, para o ambiente e para as pessoas”, assim se apresenta Eliete Paraguassu em entrevista exclusiva ao Portal Black Mídia.
Presença constante em espaços institucionais e internacionais, esteve no Conselho de Direitos Humanos da ONU, Eliete participou de publicações acadêmicas, representou o povo de Ilha de Maré em seminários, jornadas, e ciclos de diálogo. Sua atuação é a ponte entre a ciência e a vivência.
Ela também foi assessora parlamentar na Câmara de Salvador (2021-2022), coordenadora do Projeto Yalodê no IFBA e ocupou o cargo de Coordenadora-Geral de Assistência Técnica e Extensão Pesqueira no Ministério da Pesca (2023-2024). Também integra, desde 2018, o Programa de Saúde, Ambiente e Trabalho da Fiocruz, sendo protagonista do documentário Mulheres das Águas, o mais assistido da história da fundação, com mais de 1,2 milhão de visualizações.
Não é à toa que seu nome cruzou fronteiras. Pesquisadores da Universidade de Coimbra e da Sorbonne já caminharam ao seu lado no mangue, reconhecendo sua comunidade como território de saber e resistência.
Em 2020, foi a terceira suplente à Câmara de Vereadores de Salvador pelo PSOL, com 2.291 votos. Em 2022, levou 9 mil votos como candidata a deputada estadual. E em 2024, retornou à disputa, dessa vez saindo como primeira vereadora quilombola de Salvador, com 8.479 votos.
Racismo ambiental e principais desafios de Eliete
Eliete denuncia o avanço predatório de grandes empresas no entorno da Ilha de Maré e o impacto direto na vida de sua comunidade, sobretudo das mulheres marisqueiras, que enfrentam racismo ambiental, poluição industrial e ausência de políticas públicas.
Seu maior desafio é o processo de se manter viva. A vereadora afirma que é constantemente ameaçada e perseguida desde 2016, realidade que a fez sair do Brasil e fazer articulações internacionais. Em 2022, precisou de suporte do Governo Federal para se manter viva em outro estado do país. Ela conta que os desafios são desde os empresários e multinacionais tentarem silenciar o seu ativismo, quanto o racismo que é vivenciado até na capital.
“É de fato um desafio se manter nessa capital que é racista. A cidade de Salvador é muito desigual. O desafio é se manter viva, mas também tem o desafio de uma mulher de esquerda numa Câmara que é de direita”, conta Eliete.
A parlamentar também aponta que o racismo em Salvador deixou de ser disfarçado. Para ela, o que antes era chamado de “racismo velado” agora se mostra de forma explícita. “As pessoas vão ter que conviver com isso. Eu sou vereadora eleita, sou defensora ambiental, vou continuar defendendo os territórios das águas, territórios tradicionais e eles vão ter que conviver com minha presença, porque eu existo e vou precisar cada vez mais fortalecer a nossa luta pelo Bem Viver”, enfatiza.
Mesmo após eleita, Eliete Paraguassu segue sendo alvo de perseguições políticas em seu próprio território. Em março deste ano, durante a Jornada Maré de Março na Ilha de Bom Jesus dos Passos, na Bahia, a vereadora enfrentou mais um episódio de violência política. Enquanto realizava uma agenda voltada ao diálogo com comunidades pesqueiras, foi seguida, hostilizada e ameaçada por homens que tentaram impedir sua presença no território.
Ao Portal Black Mídia, a vereadora denuncia que o assédio agora parte também de moradores da região que, influenciados por interesses empresariais, passam a negociar os bens comuns e a vida coletiva das comunidades tradicionais. Para ela, essa aliança entre capital e política enfraquece o tecido ancestral dos quilombos, ameaçando diretamente o modo de vida das populações.
“A perseguição política ainda continua no meu território, porque infelizmente os empresários conseguem cooptar moradores, pessoas que divergem em pensamentos políticos no território, pessoas que negociam a vida, arma, mangue e que negocia território quilombola. A gente não nasce desse princípio”, explica Eliete, reafirmando que territórios quilombolas e indígenas não estão à venda e nunca estiveram.
Bem Viver: resistência e luta por justiça ambiental
Para Eliete Paraguassu, o Bem Viver representa muito mais que uma forma de existir, é uma relação profunda e harmoniosa entre a natureza e o povo. Em suas palavras, o bem-viver é “um conjunto de possibilidades de uma vida digna, justa, soberana e futura para a geração que ainda está por vir”.

Foto: I’sis Almeida
“É a gente ter essa relação profunda entre natureza e pessoas, ter alimentação saudável, ter o nosso território livre de qualquer ameaça pelo capital, é a gente partilhar a nossa vivência, a nossa cultura, o nosso jeito de fazer, nosso jeito de viver pra sociedade. É construir o aquilombamento, é cuidar da natureza”, completa Eliete.
A vereadora reforça que essa luta contra a degradação ambiental e a desigualdade social é a base para preservar a memória e a existência dos povos negros, indígenas e quilombolas na Bahia.
Juventude negra frente a pautas ambientais
A juventude sempre esteve no centro das transformações sociais, movida por sonhos, urgências e pela força de imaginar outros futuros possíveis. Eliete Paraguassu vê na juventude a linha de frente para resistir ao avanço do capital sobre corpos e territórios negros. Segundo a vereadora, o modelo de desenvolvimento atual é seletivo e violento, atingindo em cheio jovens negros, sobretudo os das periferias urbanas e dos territórios tradicionais.
“Se a geração futura, que é os jovens, não entender que é o principal alvo desse processo de desigualdade social, desigualdade ambiental e de genocídio da população negra, a gente está fadado ao fracasso. A juventude é o principal alvo desse modelo perverso que acha que o povo preto têm que morrer”, pontua, ao lembrar que muitos jovens sequer chegam aos 22 anos. “Estão sendo abatidos em nome do capital”, ainda completa.
Ao refletir sobre o papel das novas gerações, Eliete defende que o protagonismo jovem é essencial para o presente e o futuro das lutas coletivas. Com isso, a juventude tem uma capacidade criativa e estratégica diferenciada. Segundo ela, é preciso se apropriar das ferramentas de luta disponíveis, seja por meio da universidade ou de estratégias políticas.
“A internet é uma nova ferramenta de luta. A gente precisa confluir alternativas de sobrevivência com alternativas de lutar pelo Bem Viver, e os jovens têm essa tarefa. Essa galera é inteligente. Eles conseguem pensar muito além de quem já têm 40. Todas as ferramentas de luta são bem-vindas”, Eliete destaca.
Ela também aponta que esse processo precisa respeitar o caminho de cada um: há quem vá para o ensino formal, mas há também quem queira permanecer na base, sustentando os modos de vida e protegendo as comunidades da lógica exploratória do capital. Nesse processo, chama atenção para a necessidade de unidade entre os diferentes territórios e sujeitos atingidos.
“A unificação das lutas diferenciadas entre a população do campo, a água, a floresta e a cidade precisa estar mais presente, porque os mesmos impactos que as comunidades tradicionais têm vivenciado, a cidade também tem vivenciado”, alerta.
Com isso, indica que se as populações urbanas não reconhecerem que as comunidades tradicionais são as que sustentam o equilíbrio ambiental, a própria existência das cidades será colocada em risco. “Se a sociedade entender que sem a natureza a gente não consegue viver, a gente vai ter tranquilidade para garantir que a geração futura esteja protegida”, conclui Eliete.
Iniciativas do mandato
Entre as propostas apresentadas por Eliete Paraguassu, uma das mais urgentes é o Projeto de Indicação 166/2025, que cobra a construção e a requalificação de muros de contenção do mar em comunidades como Praia Grande, Santana e Itamoabo. A erosão avança, além do abandono das ilhas se prolongar. A proposta nasce da escuta direta com quem vive nas regiões.
Outro ponto trazido por ela este ano é o Projeto de Lei 101/2025, que propõe o Dia das Marisqueiras em 26 de julho, uma tentativa de dar visibilidade ao trabalho invisível de tantas mulheres que sustentam famílias e comunidades inteiras.
Na mesma linha, o PL 147/2025 propõe o Dia do Combate ao Racismo Ambiental, a ser lembrado em 15 de abril. A ideia é nomear aquilo que muita gente ainda prefere ignorar. O projeto denuncia como são sempre as populações negras, indígenas e tradicionais as mais afetadas por desastres ambientais, pela falta de saneamento e pela poluição.
Também chama atenção a proposta de Emenda à Lei Orgânica 2/2025, que reconhece a natureza como sujeito de direitos. Um movimento que rompe com a lógica de exploração do meio ambiente e valoriza os modos de vida que caminham junto com a terra, a água e os ciclos da natureza.
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