Texto:

Lívia Oliveira

Jornalista do Portal, Lívia Oliveira é comunicóloga formada em jornalismo e escritora soteropolitana, apaixonada pela comunicação. Autora do romance "Coração Gelado", acumula passagens no Jornal A Tarde, Criativos.

Vereadores Negros de Salvador – Silvio Humberto

Silvio Humberto: a firmeza e diálogo como marcas na política de Salvador

Professor, economista e militante negro, vereador faz da firmeza e diálogo suas principais ferramentas contra desigualdades estruturais em Salvador

Publicado em 01/09/25 às 17:50

Foto: Diretoria de Comunicação / Câmara Municipal de Salvador

Na capital baiana, existe um pensamento de que a política só tem valor quando se baseia na firmeza de ideias. Essa é a característica de Silvio Humberto (PSB), economista, educador e defensor do movimento negro, que fez da educação uma ferramenta de libertação e da Câmara Municipal um lugar de oposição.

Nascido em 1963 no bairro do Garcia/Garibaldi, Silvio cresceu entre o caderno escolar e as conversas de cozinha de dona Silvia, sua mãe costureira e doceira, e do pai Humberto, mecanógrafo. Ali aprendeu que a educação era uma possibilidade coletiva.

“Salvador só romperá seu círculo vicioso da pobreza se tiver igualdade para valer. Isso significa melhores oportunidades para a juventude negra e uma educação pública de qualidade”, afirma ao Portal Black Mídia.

Foi esse desejo que, nos anos 80, o levou a fundar com colegas da Universidade Católica do Salvador o Grupo Negro da UCSal, um dos primeiros a fazer o debate racial no estado. O coletivo tornou-se um dos primeiros espaços estudantis a debater questões raciais no estado, antecipando um movimento que se fortaleceria nos anos seguintes.  A experiência de ser um jovem negro em um ambiente de desigualdades moldou sua consciência racial e social.

A inquietação de Silvio com a falta de acesso da juventude negra à educação superior o levou a criar, em 1992, uma cooperativa educacional. Dois anos depois, a iniciativa ganharia nome e identidade própria: o Instituto Steve Biko. Com poucos recursos e mantido pelos próprios professores, o instituto tornou-se uma referência internacional na luta por equidade no ensino superior. A Biko foi, e ainda é,  um farol para jovens negros de baixa renda, preparando-os para ocupar espaços historicamente negados.

Da militância à política institucional, Silvio chegou à Câmara em 2012. Reeleito em outubro de 2016 e 2020, tornou-se conhecido pela defesa firme da educação, da diversidade e das religiões de matriz africana. Seu modo de atuar combina coerência e diálogo.

“Na política eu tenho adversários, mas não consigo identificar inimigos declarados. Minha forma de fazer política é defender minhas posições com firmeza, mas isso não significa que você não vai ouvir o outro. Estamos vivendo tempos muito difíceis, onde não se ouve, e o fundamentalismo tende a matar a política, que é a arte do diálogo”, Silvio pontua.

O início de 2025, também marcado como início do seu mandato na 20º Legislatura (2025-2028), confirmou essa postura. Ao enfrentar o projeto de Cezar Leite (PL), que apresentou junto à Mesa Executiva da Câmara de Salvador o Projeto de Lei nº 28/2025, cujo objetivo é  combater a “cristofobia” em Salvador, Silvio reagiu sem titubear.

“Se isso vem para reforçar o combate a intolerância religiosa, tudo bem. Agora a gente não pode estabelecer hierarquias, de uma sofrer mais que as outras. Tem gente que bate a cabeça aqui, mas não tem coragem de subir para defender as religiões de matrizes africanas”, declarou ao Bnews em fevereiro deste ano.

Retaliação e a resistência

Quando perguntado sobre ser perseguido, ele defende que causas incômodas não passam impunes. Silvio reconhece que sua atuação provoca reações e destaca que faz parte do jogo político:

“Quando a gente trata de temas inconvenientes, que não são fáceis de serem tratados, e defende aqueles que normalmente não têm voz, isso causa algum tipo de retaliação ou perseguição. Mas eu não consegui, ao longo desses 12 anos, identificar isso de forma explícita”, enfatiza.

Ainda assim, ele prefere enxergar o problema para além da individualidade. Silvio afirma que pode não ter sofrido uma retaliação direta e explícita, no entanto há algo maior e estrutural que por si só inviabiliza coletivamente: o racismo na capital baiana.

“A cidade de Salvador não teve um prefeito ou uma prefeita negra, isso tem a ver com esse racismo, como ele se estrutura nas relações de poder, nas relações sociais e como está presente no seu cotidiano. Porque se você individualizar, você vai considerar que é só uma uma questão de talento dos indivíduos ou falta disso para galgar essas posições que possam assegurar os meios e as condições de disputa. E não é isso. É algo estrutural”, aponta.

Uma cidade possível e próspera

Nos primeiros meses deste novo mandato, Silvio Humberto reforça ao Portal Black Mídia que suas prioridades seguem as mesmas: educação pública de qualidade, geração de renda digna, igualdade racial e sustentabilidade. Assim, Silvio destaca que isso passa por garantir melhores oportunidades para a juventude negra, ampliar o acesso a uma educação pública de qualidade, com creches, além de promover geração de trabalho e renda digna.

“E a questão da sustentabilidade é crucial para essa cidade, sob pena de não termos horizonte. O grande problema da cidade de Salvador é: a gente não consegue perceber qual é a perspectiva dessa cidade. A cidade vai para onde?”, Silvio provoca.

“É uma cidade que tem tudo para ser uma cidade rica, gerar riqueza, mas é uma riqueza extremamente concentrada, portanto, não é uma cidade próspera. Uma pergunta que não quer calar: como tornar Salvador uma cidade próspera?”, completa.

E seguindo esse princípio, em maio deste ano, Silvio Humberto acrescentou mais um capítulo à sua trajetória de educador e intelectual. No dia 8, lançou o livro “Um retrato fiel da Bahia: sociedade, racismo e economia”, resultado de sua tese de doutorado defendida na Unicamp em 2004. A obra analisa como o racismo estruturou as relações de trabalho no período pós-abolição e moldou as dinâmicas sociais e econômicas da Bahia até os dias atuais.

O evento, realizado na Biblioteca Central do Estado da Bahia, nos Barris, contou com uma roda de conversa com os professores Rita Dias, Luiz Fernando Saraiva e Walter Fraga Filho, além de uma sessão de autógrafos. Lançado pela Editora Nandyala, com apresentação de Luiz Fernando Saraiva e prefácio de Walter Fraga Filho, o livro trouxe à tona discussões que atravessam a atuação política e acadêmica de Silvio.

Entre os capítulos, destacou-se “Negros em Movimento”, onde valorizou as estratégias de resistência e sobrevivência da população negra após a escravidão, assim como o ensaio sobre o que chamou de “Carnaval-candomblé”, fenômeno que articula religiosidade, identidade negra e cultura popular. 

Entre o parlamento, a academia e as ruas, o professor Silvio Humberto continua apostando na política como espaço de diálogo e enfrentamento. “Eu sei que eu estou num campo difícil, mas o que é uma marca do nosso mandato, é a coerência”, resume.

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